Mercado dos Produtos Silvestres
(Fileira dos Micológicos)
Neste momento
da História de Portugal, o interesse pelo natural e mais saudável, com a
emergência de novos e velhinhos produtos especializados de qualidade, com a sua
consequente transformação e valorização, pode – e devia – passar por uma aposta
no que é nosso e sobretudo, no que é bom, específico e muitas vezes,
irreproduzível.
Assim, a
partir do que é a nossa extraordinária biodiversidade, resultado de factores
edafo-climáticos tão diversos e tão particulares dentro do contexto europeu e
até à escala mundial, bem que poderíamos apostar seriamente no mercado dos
produtos de origem controlada, que, no fundo, são resultado dos anos… de
milhões de anos.
Que país da
Europa é que tem tanto produto endógeno de qualidade? Já pensaram em quantas
raças de gado bovino é que temos, resultado de milhões de anos de paisagem e de
milhares de anos de trabalho?
Na realidade,
o país rural apresenta cenários de aceleradas transformações que é necessário
saber interpretar e… interpelar. Não fará parte também das nossas soluções de
futuro para o país, o sabermos o que temos e percebermos do que temos?! Para
além do quanto que temos para rentabilizar, criando reais mais-valias a partir
de paisagem natural mais ou menos transformada.
Até agora, o
que é que temos sabido extrair da força da Natureza? Aliás, no último meio
século temo-nos afastado de muito dos conhecimentos ancestrais e de um saber
fazer – e comunicar – à escala natural, para além das profundas alterações em
termos de coberto do solo e da depauperação deste por muitas das regiões do
país. Na verdade, temos provocado e acelerado inadvertidamente, para não dizer,
irresponsavelmente, fenómenos associados de uma desertificação física que em grande
parte, também tem levado a uma desertificação humana a uma escala super
preocupante.
Daí que,
julgo, que começamos a querer compreender todo o enorme potencial que temos
entre mãos, para melhor gerir numa exigente sustentabilidade dos recursos
naturais e da propriedade.
Analisando
comparativamente com outros países desenvolvidos, o que é que temos extraído
verdadeiramente da terra? Sim, alguns dos melhores produtos do mundo e com uma
gama de sabores deveras invejável. Mas… e o resto? De facto, o que é que temos
produzido de concreto e relevante para a industria farmacêutica, simplesmente
uma das mais poderosas e importantes do mundo? E para a indústria da cosmética?
E da perfumaria? E mesmo das bebidas e até alimentar, não poderemos ir muito
mais longe?
É neste
contexto que entra, e tem que ser vista, uma nova fileira económica e
primordial para a preservação e sustentabilidade dos ecossistemas: a micologia.
E a micologia
entra em quase tudo, desde a conservação da Natureza ao mercado dos sabores,
desde a educação ambiental ao mico-turismo, desde a produção florestal à
diversificação de actividades. Contudo e para se desenvolver algo e mais
especificamente todo um sector, é necessário que muito conhecimento técnico
surja no terreno… a construir e a desobstruir. Assim e tecnicamente, temos que
saber resolver e actuar da melhor maneira ao nível de: direitos de propriedade,
certificação florestal, certificação agro-industrial, certificação biológica,
cumprimento de normas e de regulamentos nacionais e comunitários, enquadramento
das actividades, garantia de qualidade, apresentação, embalagem e conservação,
transformação, criação de novos produtos, desenvolvimento de nichos de mercado
e vendas, associativismo e estabelecimento de parcerias, etc, etc. Depois ainda
temos todo um trabalho essencial ao nível da fiscalização e da segurança
alimentar, multiplicação das espécies em laboratório e no campo, micorrização
em viveiro e na floresta, identificação e estudo de espécimes, apoio técnico à
produção, criação de substratos, gastronomia e turismo, pedagogia, recuperação
de ecossistemas, tratamento de resíduos e valorização ambiental.
Nesta
sequência, penso que por muitas razões e preocupações, a micologia começa a
despertar um interesse em praticamente todas as franjas da sociedade, de mais a
mais, porque vem ao encontro de um estilo de vida que queremos e desejamos mais
saudável, desde o contacto com a Natureza de um modo muito mais frequente,
intenso e “interpeletativo”, a uma alimentação muito mais equilibrada e natural.
Mas atenção,
que o português vai muito atrás de modas. Mas é que aqui, a precipitação e
falta de conhecimento e de rigor, normalmente… têm consequências. Não só em
termos de consumo, mas também em termos de investimento, podendo pôr tudo a
perder em termos de imagem e de credibilidade de um produto e/ou sector, num
instante (no instante seguinte).
É, neste
momento, exige-se que façamos as coisas bem feitas, replicando alguns (poucos)
dos bons exemplos nacionais e dos múltiplos exemplos estrangeiros. Sem pressas,
mas também sem complicações perfeitamente evitáveis. Hoje, mais do que nunca,
temos que saber racionalizar muito bem todos os meios e finalmente, temos que
saber trabalhar em
conjunto. Das entidades públicas às instituições mais
diversas, gerando uma funcionalidade com fundamento e conhecimento, e gerindo
um nicho de mercado cheios de potencialidades a diversos níveis. Nós, de facto,
se soubermos fazer bem o trabalho (o nosso trabalho) – e é o que é exigível –
com toda a nossa biodiversidade, podemos afirmar-nos a médio prazo como um país
ainda mais rico em termos de produtos específicos de grande qualidade.
Até agora,
temos tido, como país, uma tendência atrofiadora de ver as coisas de um modo
demasiado individualista, a curto prazo e sem escala de mercado; isto para não
falar a outro nível, das imbricadas e congénitas, falta de organização, de
planeamento, de estratégias e de visão mais alargada e mais abrangente. Como
tal, quando falamos em algo ou quando algo começa a surgir, as possibilidades
de nascer torto e tarde ou nunca se endireitarem, são por demais evidentes. O
que normalmente acontece por quem primeiro tem a função de dinamizar, apoiar,
formar, preparar, acompanhar e agregar, é a de obstaculizar a partir de regras
e princípios sem fim. Que serão necessários e até fundamentais (nem todos), mas
que têm que ser aplicados e geridos com racionalidade, bom senso e tempo… e
nunca de modo a provocar perdas de tempo, de oportunidades, de investimentos e
de entusiasmos essenciais. Aliás, muitas dinâmicas e grandes planos, cheios de
potencialidades, a maior parte das vezes não saem das secretárias
institucionais e dos bancos das Universidades. É hora de encontrarmos soluções
conjuntas e de se completarem e complementarem apoios e soluções a partir do
que de mais natural e genuíno temos e que bem mais poderemos vir a ter.
Na realidade,
quando se fala em produtos autóctones de qualidade, de produtos endógenos, de
produtos de origem controlada, de certas produções em modo biológico, etc.,
temos que ter a percepção de que a grande maioria desses produtos são
irreproduzíveis noutros locais do país e muito menos, em outros países. A
conjugação dos factores climáticos e dos factores orográficos e edáficos,
proporcionam-nos condições únicas e exclusivas… aos montes. De facto, muitos
são os produtos de base territorial com condições organolépticas
extraordinárias e muita é a biodiversidade natural que temos por base. A nível
europeu, somos sem dúvida e destacadíssimos, o país com uma muito maior e
também melhor - em variadíssimos aspectos - base de actuação a este nível. Mas
e se observarmos bem e se começarmos por fazer certas leituras ao que é nosso e
ao que já se fez, encontramos com facilidade imensos motivos de orgulho, na
gastronomia, doçaria, artesanato e muitas outras expressões tradicionais e
culturais, como é exemplo a nossa própria música.
Voltando ao
possível mercado e/ou fileira micológica, teremos que o ver e interpretar de um
modo muito específico e único por um lado, mas por outro, com outros pontos de
contacto e de sintonia com outros produtos e mercados. O exemplo que aqui quero
transmitir, é o de um mercado mais alargado, chamado de produtos silvestres e
num modelo mais interactivo que necessariamente tem que chegar à restauração,
hotelaria e turismo.
É, neste
momento temos que fazer as coisas – não continuar eternamente à espera – mas
temos que as fazer bem feitas. Vamos a isso… com a máxima “Autóct...encidade”.
"Eng. José Pais"